Tradução na íntegra da reportagem do jornal “The Economist” [Internet Archive – WayBack Machine] [PDF]
Alexandre de Moraes, do Brasil, está em uma cruzada para intimidar a extrema direita, restringindo a liberdade de expressão online
Foto: Reprodução jornal “The Economist” / Ilustração Diego Mello.
Um Alexandre de Moraes divide opiniões. Elon Musk chama o juiz da Suprema Corte brasileira de “Darth Vader” por causa de sua capa preta e testa alta e brilhante, e afirma que ele é um “ditador tirânico disfarçado de juiz”. Outros têm sentimentos mais calorosos. Para os ativistas que pedem restrições à liberdade de expressão digital, Moraes é um astro. Para seus fãs no Brasil, ele é apenas Xandão, o “Big Alex”.
Somente no Brasil, que confere ao Supremo Tribunal Federal (STF) poderes extremos, um juiz poderia ter tanto destaque. Como guardiões da prolixa Constituição brasileira, que abrange desde assistência médica a salários, os juízes do STF frequentemente decidem sobre questões que, na maioria dos lugares, são de competência de autoridades eleitas. Devido à carga de processos que isso cria, o STF permite que os juízes tomem decisões relevantes individualmente, em vez de esperar a reunião do plenário.
Isso dá a cada juiz enorme visibilidade — e um ar de celebridade. As decisões são transmitidas ao vivo. O tribunal mantém uma conta animada no TikTok. No entanto, nenhum outro juiz do STF tem um perfil público que se compare ao de Moraes. Ele se tornou famoso durante um período em que comandou o Tribunal Eleitoral do Brasil entre 2022 e 2024, quando Jair Bolsonaro, ex-presidente de extrema direita do Brasil, supostamente tentou organizar um golpe para se manter no poder. Suas investigações sobre Bolsonaro e uma investigação relacionada que ele lidera sobre desinformação online significam que Moraes rivaliza com os membros da Suprema Corte dos EUA pelo título de juiz mais poderoso do mundo.
Ele foi nomeado para o STF em 2017, enquanto servia como ministro da Justiça no governo de centro-direita de Michel Temer. Como promotor público, conquistou a reputação de implacável, mas costuma ser cordial. Questionado sobre Musk e suas ameaças, ele admite que é “um empresário brilhante” e acrescenta: “Não perco um minuto da minha vida pensando nele”.
O que o Sr. Moraes pensa é sobre a liberdade de expressão online desregulamentada. Sua preocupação surgiu em 2018, quando o Sr. Bolsonaro foi eleito presidente. Capitão do Exército que se tornou deputado federal, o Sr. Bolsonaro elogiou a antiga ditadura militar brasileira e atacou instituições que pudessem conter seu poder. Durante a campanha, seu filho, deputado federal, afirmou que “um soldado e um cabo” poderiam fechar o STF.
Após a posse de Bolsonaro, as ameaças se intensificaram. Moraes se lembra de uma publicação anônima detalhando os planos de viagem de um juiz do STF e incitando pessoas a esfaqueá-lo no aeroporto. O procurador-geral, nomeado por Bolsonaro, ignorou as denúncias sobre o incidente e outras semelhantes, levando o STF a abrir uma investigação sobre desinformação em março de 2019. O “inquérito das fake news” foi instaurado para investigar conteúdo online que “afeta a honra e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e de suas famílias”. Moraes foi nomeado para o cargo, ignorando o sistema de sorteio, que é a norma para tais nomeações.
Desde então, ele suspendeu centenas de contas de redes sociais, a maioria delas pró-Bolsonaro. (O inquérito sobre notícias falsas está em segredo de Justiça, portanto, o número total de contas suspensas é desconhecido.) As plataformas geralmente têm apenas algumas horas para cumprir ordens judiciais, e os usuários muitas vezes não são informados sobre o motivo do bloqueio de seus perfis. Em 2024, ele bloqueou a X, a plataforma de redes sociais do Sr. Musk, por mais de um mês em todo o Brasil, e congelou as contas bancárias da Starlink, a empresa de internet via satélite do Sr. Musk.
Essa cruzada digital tornou Moraes um alvo em Washington. Além dos ataques de Musk, a empresa de mídia do presidente Donald Trump processou Moraes por suposta violação da liberdade de expressão. O Departamento de Estado dos EUA acusou o Brasil de censura. Alguns membros do Congresso americano querem sancioná-lo e impedi-lo de entrar nos Estados Unidos.
Radicalmente clássico
Seria de se esperar que um juiz na mira do MAGA fosse de esquerda. Mas Moraes se autodenomina um “liberal clássico” e defende um governo republicano e um papel limitado do Estado na economia. Ele só trabalhou para políticos de centro-direita. “A virtude”, diz ele, “está no meio”. A esquerda brasileira ficou furiosa quando ele foi nomeado para o STF, pois ele defende a privatização de estatais e a legalização do trabalho informal, bem como o uso da força para reprimir protestos.
Uma explicação mais plausível para a campanha do Sr. Moraes é esta: é pessoal. Ele recebe constantes ameaças de morte. Essas ameaças parecem revigorá-lo e conferiram às suas decisões um tom absolutista. “As pessoas estão começando a perceber que não adianta muito me ameaçar. Elas vão apenas perder tempo — ou ir para a cadeia”, sorri, insinuando instintos draconianos.
O Sr. Moraes é legitimado pela lei brasileira. Como qualquer democracia, o Brasil impõe limites à liberdade de expressão, mas o faz de forma bastante ampla e aplica esses limites com extrema severidade. Qualquer “discriminação ou preconceito” com base em raça, gênero, orientação sexual, religião ou “condição física ou social” é proibido. As penas por calúnia, difamação e injúria são maiores se os insultos forem contra funcionários públicos. No entanto, mesmo para os padrões brasileiros, o entusiasmo com que o Sr. Moraes exerceu seu extenso mandato tem sido alarmante. O inquérito das fake news, que deveria durar apenas nove meses, continua em andamento seis anos depois e agora abrange ataques contra qualquer instituição democrática brasileira.
Alguns de seus alvos agiram claramente fora da lei. Uma jornalista proeminente, crítica de Bolsonaro, teve seu rosto transposto para imagens pornográficas; Bolsonaro e seus fãs insinuaram que ela obteve entrevistas em troca de sexo. Carla Zambelli, deputada bolsonarista, perseguiu um eleitor pró-Lula enquanto brandia uma arma. O volume de conteúdo descontrolado na internet brasileira é avassalador.
Mas o Sr. Moraes às vezes se excedeu gravemente. Em maio de 2019, ele forçou um veículo de notícias a retirar do ar uma matéria que mostrava possíveis ligações entre um juiz do STF e um empresário condenado por corrupção passiva. A indignação pública o forçou a reverter a decisão. Em agosto de 2022, após um jornal publicar mensagens privadas de alguns empresários bolsonaristas, o Sr. Moraes ordenou que a polícia invadisse as casas dos homens, bloqueasse suas contas bancárias e encerrasse suas páginas nas redes sociais; um dos homens havia escrito: “Prefiro um golpe à volta do [Partido dos Trabalhadores]”. Novamente, o Sr. Moraes interrompeu a investigação de seis dos oito empresários após uma reação pública negativa.
Questionado sobre esses casos, o Sr. Moraes afirma ter mudado de ideia após receber mais informações. Ele insiste que está apenas aplicando a lei. “Por causa da polarização ideológica que existe hoje no Brasil, algumas pessoas não percebem que minhas decisões são técnicas, não políticas”, diz ele. No entanto, suas decisões podem sugerir caprichos pessoais. Em julho de 2023, uma família bolsonarista agrediu o Sr. Moraes em um aeroporto em Roma, supostamente dando um tapa em seu filho. A família foi investigada por calúnia e sua casa foi revistada. As acusações só foram retiradas depois que a família se desculpou com o Sr. Moraes.
Calçando a verdade
Moraes afirma que o Brasil está “na vanguarda” no que diz respeito ao controle das mídias sociais. Ele critica políticos e empresários americanos que “se escondem atrás da falsa ideia de que a liberdade de expressão não tem limites para manter um modelo de negócios que gera muito dinheiro”. “Um novo populismo digital extremista surgiu, liderado pela extrema direita”, afirma. “E eles exploram algo que Goebbels costumava dizer durante a era nazista: uma mentira contada mil vezes se torna uma verdade”. Ele acredita que, se as mídias sociais não forem controladas, “haverá uma ditadura aqui, uma ditadura ali, extremismo, o retorno do fascismo”.
A Freedom House, um think tank de Washington, chama o Brasil de “estado indeciso” por ser uma das poucas grandes democracias que ainda não tomaram medidas legislativas para regulamentar a liberdade de expressão na internet, deixando essa tarefa para os juízes. O resto do mundo está observando o Brasil, e o Sr. Moraes, de perto.
Bolsonaro pode ir para a prisão este ano. Seu julgamento começa em breve. Se ele for preso, a tolerância brasileira à mão pesada de Moraes pode diminuir. “Preocupo-me com pessoas com viés autoritário”, diz um proeminente intelectual de esquerda, referindo-se às decisões férreas de Moraes. “Quando a roda girar” e um juiz autoritário com opiniões diferentes assumir o todo-poderoso STF, “posso ser preso”.
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